Filho Ingrato
Composição: Gato Preto.Dezembro eu relembro como se fosse agora
Um momento de emoção, um dia aquela hora
Sua mãe radiante, de olhar cintilante
Recebendo a notícia que estava gestante
Nervoso e feliz no mesmo instante
A emoção tomou conta, dominando o gigante
Feliz sempre quis com a mulher amada
Prolongar minha raiz, por um pé na estrada
Era novo só amor, na flor da idade
Responsabilidade o meu peito invade
Quem casa quer casa tem que ter, proceder
O tempo era curto e eu tinha que correr
O relógio meu inimigo mais meu filho quer nascer
Como é que vai ser? O trabalho vai ser duro
O dia de amanhã, tô sabendo é escuro
O presente eu já vi, só não enxergo o futuro
Mas acredito em Deus e não vou me abalar
Minha fé inabalável tenho força pra lutar
Se a preguiça for virtude para mim ela não presta
Eu sei se precisar faço varias horas extras
Quem testa só detesta e protesta nosso amor
É gente só ruim e no peito só rancor
A família toda contra pela pele, minha cor
O racismo é uma doença e tá no peito do avô
São várias barreiras, mas não fico preocupado
Meu pai sempre falo que a vida num era fácil
E só pra mim cria trabalhou tipo um escravo
Longe de mim querer ser filho ingrato
O homem que é guerreiro com a batalha não se ilude
Eu peço aos ancestrais, por favor, me ajude
Faço parte da plebe rebelde e sou rude
Eu só peço inteligência e meu filho com saúde
Oito meses se passando, eu só ando apressado
De casa pro hospital, do hospital pro trabalho
Comprei todo enxoval, arrumei o nosso quarto
Contrações aumentando, consagrando a luz do parto
E faz pré-natal corre, corre pro hospital
São vários exames, ela tá passando mal
Valei-me, meu Deus, por favor me acuda
Meu amor tá morrendo, manda um anjo como ajuda
Homem:
"Doutor, doutor, por favor, doutor, minha mulher, meu filho"
Doutor:
"Calma senhor seu filho nasceu é uma criança linda
Mas infelizmente a mãe não resistiu"
A tristeza novamente toma conta do espaço
Minha mulher deu a luz, mas faleceu no parto
Não faz nem um ano que meu pai foi enterrado
Agora eu tô sozinho, no meio da guerra, desarmado
Chama um querubim, um arcanjo Serafim
Pois o peso do mundo desabou sobre mim
A natureza dá com a mão e com a outra toma sim
Me dá um filho belo e minha esposa teve um fim
Mas a fé que Deus nos dá não pode ser abalada
O inimigo me acertou, me levantei, refiz a guarda
Levantei minha cabeça em direção do horizonte
Sou pedreiro, marceneiro, construtor, faço ponte
A roupa, o alimento, e um teto pra morar
Amor, muito carinho, e uma moça pra cuidar
Brinquedo não faltou, uma escola para estudar
Jurei por Deus do céu por você vou batalhar
A idade, a vaidade foi chegando pois eu via
Queria quase tudo que a TV lhe oferecia
Eu de longe via ele já querendo namorar
Eu só tinha uma exigência, você tem que estudar
A tristeza se cansou, chegou a felicidade
Quando eu tive a notícia que ele entrou pra faculdade
Filho, nunca esqueça de fazer boas ações
Pois eu peço sempre a Deus em minha orações
Já faz bastante tempo que eu não vejo a minha cria
A última noticia se formou engenharia
As grandes capitais deixam as pessoas frias
Mandei ele estudar, mas eu juro, eu não sabia
A ruga, a velhice tomou conta do meu rosto
Do meu coração que se apossou foi o desgosto
Se dedica a uma pessoa o tempo todo da sua vida
E não recebe nem um tchau nem na hora da partida
A idade já chegou as dores vem se aproximando
Só trinta por cento do meu corpo funcionando
Mal de Parkinson, derrame, bateria de exame
Diabetes muito alta já circula no meu sangue
Noites mal dormidas, minha mente conturbada
Enxergo muito pouco, minha visão tá complicada
Mais eu posso enxergar a cegueira do meu filho
Te dei tanto amor, mas hoje eu vivo num asilo!
Eu me sinto abandonado, de viver não tenho vontade
Será que amor de mais é uma forma de maldade?
Eu fui perito na enxada, mas não tive camiseta
Mas hoje o meu filho é o doutor da caneta
Há muito tempo atrás eu tive que provar
Que também era capaz de poder ele criar
Sua mãe faleceu, seu avô veio lhe tomar
Lutei contra o mundo pra poder te cuidar
Agora o desprezo é o pão que eu tô comendo
Cada dia que se passa a solidão me corroendo
Antes de morrer eu desejava lhe ver
Enquanto não acontece, eu rezo por você